13 de dez. de 2013

O Homem-animal, o Super-homem, a Grande Ignorância & o Espírito



A Grande Ignorância

“A melancolia é o estado sonhado do egoísmo:
 nenhum objeto fora de si mesmo, nenhum motivo
mais de ódio ou de amor, a não ser essa mesma
 queda em um lodo lânguido, essa mesma agitação
 de condenado sem inferno, essas mesmas reiterações
de um ardor de perecer… enquanto a tristeza contenta-
se com uma moldura de fortuna, a melancolia necessita
de uma orgia de espaço…”
 – Cioran
(Breviário de Decomposição)

   Já li sobre a “grande ignorância” no Tao-Te King, de Lao Tse. Ali, o velho sábio cavalgador de bois, expressa a idéia de quanto mais um povo for mantido na ignorância, mais feliz permanecerá, evitando desgraças.

   O tema é tratado por outros pensadores de todo o mundo. No Ocidente, Tomás de Aquino, que acreditava em bois voando, fala do “estado de inocência” que o ser humano possuía no Éden. Heidegger, que considerava-se pastor (não de ovelhas, mas do Ser), fala do tédio que aprisiona as pessoas no vazio, esse tédio é um dos estímulos fundantes do ser-aí.

   Tanto na inocência quanto no tédio o ser humano se aproxima do animal. O ser-aí é um animal que aprendeu a se entediar para tentar fugir do atordoamento que caracteriza os animais na natureza, só que o ser humano sente angústia, a fera não.

   A “grande ignorância” em si parece ser um conceito introduzido pelos gnósticos para a interpretação dos ensinos de Paulo de Tarso, que caiu do cavalo, que podemos ler no Novo Testamento.

   Paulo fala sobre a natureza que se convulsiona em gemidos e dores de parto na Epistola aos Romanos. Esses sofrimentos se dão enquanto a humanidade espera pela redenção Divina que o Cristo, cordeiro de Deus, veio instalar.

   Basílides, o mestre gnóstico egípcio, chama tal redenção de “mégale ágnoia”, a “grande ignorância”, na qual Deus, depois de apartar de seu rebanho os não-filhos Dele, levará seus verdadeiros filhos de volta ao Seu seio.

   Essa “grande ignorância” instalada no mundo fará com que cada criatura deseje apenas o que lhes competem, aí, como os filhos de Deus adentraram na eternidade do tempo, pela via aberta por Cristo, os não-filhos de Deus serão eternos no espaço, dentro do Universo.

   A “grande ignorância” fará com que os que aqui permanecerem desconheçam qualquer coisa como superior a essa condição, não mais se falará de Paraíso ou vida eterna, desaparecerão as egrégoras dos deuses e mesmo a redenção proposta por Cristo, não haverá mais espiritualidade. Será como se um grande sono que recairá sobre todas as consciências.

   Faço essas paráfrases dos parágrafos acima do livro de Giorgio Agamben “O Aberto – O Homem e o Animal”, para então refletir sobre o mundo em que vivemos atualmente.

   Mas tenho em mente também outras atribuições legadas que acho próximas à essa “grande ignorância”, como a melancolia e a acedia universal identificadas por Cioran nos “domingos da vida” onde “o universo transformado em tarde de domingo… é a definição do tédio”.

   Vejo estas disposições da introdução da “grande ignorância” na humanidade de agora, como parte do processo evolutivo que a consciência humana percorre. Estamos à porta do grande sono?


O Homem-Animal
“Mas o que é (o homem), mil definições o
denunciam e nenhuma se impõe: quanto
mais arbitrárias são, mais válidas parecem.
O absurdo mais etéreo e a banalidade mais
pesada igualmente lhe convêm. A infinidade
 de seus atributos compõe o ser mais impreciso
que possamos conceber. Enquanto os animais
 vão diretamente a seu alvo, ele se perde em
rodeio; é o animal indireto por excelência.”
 – Cioran
(Breviário de Decomposição)

   A “grande ignorância” não seria, como enganosamente poderíamos pensar ao ler Lao Tse, o mundo da exploração e da corrupção não criticado, dos livres desmazelos sociais e políticos como é tão fácil ligar à um país de pessoas sem cultura e ignorante como o Brasil, por exemplo. Tão pouco seria a quietude alienada, a passividade social.

     A “grande ignorância” seria nesse cenário, um não-saber a respeito do Tao.

    Em nossa civilização, hoje, ainda podemos meditar sobre as coisas transcendentais, porém a violência a cada dia toma mais território em todos os âmbitos da sociedade, não é só coisa de notícias, a brutalidade avança.

   Um estado de bestialidade vai se espalhando, enquanto se retiram do mundo os últimos influxos de consciência com capacidade de pensar o espiritual.

   Quando não houver mais mentes que vejam a brutalidade como tal, a violência será esquecida, e o ser humano se tornará verdadeiramente animal, o maior dos predadores da natureza, e não haverá mais moral para termos de comparação das ações na vida cotidiana.

   Se estamos no estágio de ainda denunciar a violência, de recusá-la, é porque ainda a “grande ignorância” não se instalou totalmente. Porém, observando o atual estado de explosão de violência social, o grande índice de corrupção política e a absurda exploração da natureza, me parece que aqueles gemidos e dores de parto estão entrando em seus limites, alcançando os estágios finais do aborto universal que será o abandono dessas consciências ou almas não-filhas de Deus dentro do Universo, até que se complete, daqui a zilhões de anos, o próprio desmanche do Universo, que no Oriente é conhecido como Mahapralaya.

   Tetricamente, dentro deste cenário, podemos ver que todo este estado das coisas no mundo, é algo planejado desde cima. O jogo da criação de Deus comporta desde sempre esses fatores todos.
    Se o Universo é uma máquina de criar deuses ou grande crematório, isso cabe apenas ao espírito humano dizer, assim mesmo, depois que fecharem a fábrica (frigorífico?) e se apagar a fornalha, ou melhor, o gerador nuclear.


O Espírito
“O espírito não tem defesa contra os miasmas
 que o assaltam, pois surgem do lugar mais
corrompido que existe entre a terra e o céu,
do lugar onde a loucura jaz na ternura, cloaca
de utopias e vermineira de sonhos: nossa alma.”
– Cioran
(Braviário de Decomposição)

   Helena Blavatsky ensina em “A Chave para a Teosofia” que todos os sofrimentos que o ser humano passa na sua existência, que graças à natureza e a ignorância inerente das pessoas, são maiores do que merecemos. Então na morte, a alma cai em um estado de descanso e adentra em uma dimensão chamada Devachan, e ali a consciência humana é recompensada em um simulacro cheio de beatitudes, conforme a crença de cada um, até reencarnarem novamente no mundo.

   Podemos dizer que esse processo foi urdido por Deus para ir compensando os sofrimentos desnecessários, enquanto o espírito faz uma viagem para depositar em outra dimensão os ensinos que adquiriu na existência, enquanto outros corpos (físico, astral, etc. também se decompõem). Tal disposição me parece como um processo de adoção das almas por Deus, já que o corpo e alma são coisas dispostas pelo Universo para permitirem o relacionamento do espírito, a Centelha Divina, com a realidade mundana e suas experiências.

   É o espírito que evolui, e esse centro de arquivamento de informação que retornará finalmente a Deus, para fora do Universo, tudo mais é um aborto, e decairá na “grande ignorância”.


Homem & Humanidade
“Já passou o tempo em que o homem se pensava
 em termos de aurora; repousando sobre a
matéria anêmica, ei-lo aberto a seu verdadeiro
dever, ao dever de estudar sua perdição e de
correr para ela…; está no limiar de uma nova
era: a da Piedade de si mesmo. E esta Piedade
 é sua segunda queda, mais nítida e mais humilhante
 do que a primeira: é uma queda sem resgate.”
 – Cioran
 (Breviário de Decomposição)

   Essa visão para nós, humanos, da “grande ignorância”, parece ser muito triste como dissemos. Mas ela ressona nos ensinos de todas as religiões, de uma forma ou de outra.

   Todos nós parecemos saber, lá em nosso mais profundo recôndito, sobre essa “grande ignorância” que cairá como um cobertor sobre o mundo, é isso que muitas vezes ouço de pessoas próximas de mim ao verem um crime bárbaro na televisão, quando dizem algo como “esse mundo está na hora de acabar!”.

   Nossas visões de um mundo melhor, de uma civilização avançada, de um retorno à Idade de Ouro, são todos ainda desejos inócuos de uma alma que ainda tem moral e pode amar. Já são desejos acima de nós, que sistematicamente são refutados por uma racionalidade incapaz de articular saídas da condição de indigência que a evolução corporal, ou física, instalou na face da Terra.

   A superpopulação, o aumento da expectativa de vida, a segurança instalada através das leis, da medicina, da tecnologia de produção de alimentos e da assistência social confrontam-se com a pulsão de sobrevivência e o impulso egoísta natural da mente humana, onde se dão as tenções que observamos como a paixão à pátria ou os círculos de segurança (como a família, a cidade, aos times de futebol, etc.), a ganância (de se ter mais do que se necessita para viver, clamante na corrupção que visa o roubo financeiro, etc.) e a imposição das “verdades” de uns sobre as “verdades” de outros (expressos nas filosofias de vida, homofobia, homossexualismo, religiões, etc.). Acrescente aí a epidemia das drogas como o crack e do álcool que fazem o corpo e a alma sucumbir no “entreterimento-mor” buscado pelo ser humano em sua relação com a vida e suas frustrações, um contraste entre as necessidades naturais da humanidade e as necessidades que não são naturais.

   Nisso tudo vemos a abrangência de uma luta entre a racionalidade que gere e quer comportar a inclusão, e a irracionalidade que distingue e se apega a dogmas. Isso tudo são “gemidos e dores do parto”, isso tudo é a finalização da História.



   É isso que observamos quando Walter Benjamin diz que enquanto espécie os homens já finalizaram sua evolução, mas como humanidade, enquanto espécie está apenas no início de sua evolução. Ou seja, a humanidade será instalada apenas com a “grande ignorância”, porque o que importa no plano de Deus é somente a Mônada, a individualidade do espírito, a raça humana deverá seguir seu curso sem parâmetros de comparação que moral proporciona, a qual a espiritualidade nos dispõe.

   Na Teosofia de Blavatsky, que é o conhecimento gnóstico refinado e avançado que dispomos atualmente se diz que o ser humano irá galgando níveis superiores, basicamente isso quer dizer que depois que o espírito dominou o Reino Hominal, ele o abandonará para ganhar reinos superiores, novos corpos e novas almas serão dispostos à ele, e se deixará para trás tudo que se refere à esses patamares hominais, como deixou o animal, o vegetal e o mineral um dia.
  
O Super-homem
“Mas quem toma partido, quem vive na loucura
 da decisão e da escolha, nunca é caridoso;
incapaz de abarcar todos os pontos de vista,
confinado no horizonte de seus desejos e de
seus princípios, submerge em uma hipnose do
finito. É que as criaturas só florescem dando
 as costas ao universal…”
– Cioran
 (Breviário de Decomposição)

   O fim da ética e da moral não quer dizer uma vantagem evolutiva, como a personagem Faora-Ul do filme “O Homem de Aço” quer fazer o atordoado Super-man refletir, ao defender a humanidade, se voltando contra seus irmãos de sangue.

   Ali nesse interessante filme, seu escritor reflete perfeitamente a condição do Cristo, que carrega no peito não um “S”, mas sim o símbolo que significa Esperança em seu mundo, como Kal El revela. Mas seu “S” é de Soter (Salvador), como o mito gnóstico de Cristo denota. Em uma confissão a um padre ele diz até ter 33 anos!
 


   Acontece que a alma está sempre exteriorizando no mundo seus anseios, seja pela cultura, pelos mitos, pelas modas, pelas diversas visões de Deus, etc. Eu creio que esse novo filme do Super-homem revela justamente um movimento dentro da psique (alma) humana, expondo seus últimos impulsos de preservação desta egrégora do Salvador do mundo. 

   A abrangência disso se revela nas funções que o cristianismo atual está remexendo na mente de seus adeptos. Todas suas palavras, todas suas pregações, todos seus rituais já estão inócuos, nulificados na repetição secular que não mais consegue energizar as almas, mas apenas ativa e aumenta o ego, quando não serve só para consolar.

   Os eventos históricos desse ano de 2013 a nível espiritual, com o Papa Francisco (o “Pedro II” do profeta Maláquias) apontando para uma reforma do Catolicismo que se rendeu à corrupção mundana (escândalos financeiros e sexuais, diminuição de fiéis, etc.) revelam a convulsão da egrégora que “abandona” esse mundo.

   A força do Evangelismo e seu aumento no gosto popular revela também essa transição, dando adeus à beatitude do Paraíso, ou do Devachan, e a instalação do desfrute, da prosperidade e da inteligência em sua “teologia”, que nada mais é do que uma filosofia de vida semi-hedonista onde o espiritualismo é apenas um conforto psicológico aos que não podem obter sucesso em algumas de suas premissas de vida nesse mundo.

   Assim, o Super-homem, esse ideal que mistura impulsos raciais e religiosos, afirma o caráter alienígena da compaixão pela humanidade, já que ela mesma não está destinada a isso, pois ela está destinada à “grande ignorância”, à inocência animal, onde nenhum termo, como paz, amor, iluminação, serão conhecidos como o diâmetro que o espírito pode conhecer e realizar, já que o espírito ruma para outros patamares.

   Estamos, é claro, falando sobre coisas ainda fechadas à nossa parca consciência, de mundos que a nossa mente ainda não consegue pensar. E o Super-homem ficará aqui também, ele é o ideal acabado que agora a humanidade agora vê como risco de perder, por isso a alma ainda interpreta seu S como esperança. Os super-homens na verdade são justamente os Kryptonianos, que são banidos para a zona fantasma do Universo que não os comporta mais, e o que aqui ficou é extinto pelas mãos do próprio Salvador.

   Fico encantado e absorto pela própria expressão do inconsciente humano, o qual tudo sabe, na composição de suas expressões exteriores, como por exemplo no mito do Super-homem, e principalmente neste filme emblemático.

   Muito se falou sobre a “coincidência” do Super-homem se chamar Kalel, ou Kal El como se patenteou agora. Também se falou da proeminência judia desse nome e da ligação do Super-homem com Jesus Cristo, aliás, nesse “O Homem de Aço” eles escancaram essa ligação.  Confesso que eu, antes de saber qualquer dessas coisas analógicas, quando criança pensava mesmo em Jesus como o Super-homem, que depois “Jesus Christ Super Star” escancarou.

   A chave dessa coincidência, que prefiro chamar de sincronias ou a linguagem do inconsciente humano se expressando, e que El é a referencia ao Elohins, os deuses ou anjos de Jeová, aqueles que tomaram as mais belas (e inteligentes) filhas dos homens, como o Super-homem bem o faz com a Louis Lane deste filme.

   Quanto a Kal, podemos ver esse arquétipo no “Anurag Sagar”, o “Oceano do Amor”, livro de Kabir, uma espécie de cosmogonia gnóstica árabe onde Kal (Lúcifer), insatisfeito com sua posição nos céus, pede a Deus que lhe conceda um lugar só para si, longe de tudo. Deus cria o abismo, o Universo, para que Kal habite nele como quiser.

   Então, sentindo-se solitário Kal pede novamente a Deus que lhe dê uma companhia, e em seu oceano de amor Deus lhe envia Eva. Com paixão devastadora pela fêmea, Kal a engendra e para dar vida aos seus filhos, Deus envia suas Centelhas Divinas para habitar em seu interior, em um plano para redimir Kal de seus erros e egoísmo.

   Ou seja, nessa analogia, Kal El seria parecido com esse Lúcifer de Kabir, que vêm para Terra como que exilado, para dar novo sentido ao que seja Kryptoniano, gerando uma nova humanidade com a união com as “filhas dos homens”.

   Por isso o filme é “O Homem de Aço”, pois o super-homem ali são os próprios Kryptonianos, os humanóides desprovidos de moralidade, a quem pensam que a evolução concede vantagens. Mas eles apenas estão já imersos na “grande ignorância”.


A “Grande Ignorância”, o retorno
“Inofensivo, sem avidez, e sem a suficiente energia
e indecência para enfrentar os outros, deixo o
mundo tal qual o encontrei. Vingar-se pressupõe
 uma vigilância de cada instante e um espírito
sistemático, uma continuidade custosa, enquanto
que a indiferença do perdão e do desdém torna
as horas agradavelmente vazias. Todas as morais
representam um perigo para a bondade; só a
 incúria a salva.”
 – Cioran
(Breviário de Decomposição)

   Deixemos de lado então essa expressão da alma humana que é a película hollywoodiana e voltemos, para encerrar, à “grande ignorância”.

   Ela comporta, segundo Agamben uma latitude interessante, e que deixei para revelar no final.

   Aquela “ignorância” de Lao Tse, a ingenuidade de Aquino, o tédio de Heidegger, a melancolia de Cioran, etc., deveriam como a ágnoia introduzida por Basílides compor seu mesmo significado? Agamben nos esclarece que essa “ignorância” provém de “ingnosco”, que em latim quer dizer “perdoar”.

   Não sei se é esse mesmo o sentido que Basilides usava em seus ensinamentos, mas tentemos refletir nessa direção, para depois uma mais próxima ao legado do mestre gnóstico.

   Seria então esse o perdão de Deus para a humanidade depois da História? Aquela “humanidade enquanto espécie”? 

    Esse perdoar é o “deixar-ser” de Heidegger, ou ainda, o “Let It Be” de Lennon e McCartney, ou grito de dor de Kal El ao assassinar o General Zod (que havia “perdido a alma”), extinguindo os super-homens!

   O “deixar-ser”, o perdoar, é a função do Cristo, que veio trazer a espada, pois a natureza, o corpo e a alma humana não são salváveis no plano da criação, nunca foram! Seria esse a “incúria” a que Cioran remete, esse desleixo do “deixar-ser” heideggeriano?

   Aqui cabe muito a referência dos neo-gnósticos modernos, como o Miguel Serrano, de que “o espírito é fúria”, raiva, ele não perdoa nada no mundo, por isso julgará, condenará e executará tudo no Universo, até os Anjos, pois o espírito nunca irá desconhecer nada, ao final de sua jornada no Universo sairá daqui tendo existido em todos os reinos e à tudo superado, e a “grande ignorância” não irá incidir sobre ele.

   Aqui se aproxima mais o sentido de Basilides para a “grande ignorância”, a mégale ágnoia, onde uma “terceira filiação”, como se refere à humanidade em seu ensinamento, ficou como que dentro da casca do ovo cósmico, como uma espécie de aborto mesmo, cultivado assim, deficiente, parca, estão pois sujeitos em sua maioria, à exceção do gnóstico, o homem pneumático, à grande ignorância final.

   A “grande ignorância” recairá no mundo, para finalmente tudo ser o que realmente é, não haverá super-homens, o homem será homem, o animal será animal, porém o espírito será o que sempre foi, Deus.

   No esquema de Basilides é sempre o Filho que redime o Pai, é ele que abre o caminho da salvação. Lembremos que Abraxas é o filho arrependido do Demiurgo em nossa realidade humana.

   Esse descolamento dos fatores espirituais dos materiais, da vida cotidiana, revela o declínio psicológico que a humanidade passa nesse momento histórico, pois eventos como a instalação de uma “super-tecnologia”, as descobertas dos elementos mais básicos da matéria, paralelamente a uma crise financeira sem precedentes, as diversas convulsões sociais das “primaveras” no mundo afora, a reformulação da Igreja instituída pelo Papa, o fanatismo evangélico, a violência nas cidades, a epidemia do crack, os alimentos transgênicos, o enfrentamento contra a execrável pedofilia, etc., isso tudo exige uma tomada de partido da mente humana, como se dissesse a cada um de nós: “E aí? Como vai ser? De que lado você vai ficar?”, e principalmente: “O que você fará a respeito?” 

   Esse é o nosso drama cósmico que se repete, esse é o nosso momento histórico, que como seres humanos, filhos de Deus, teremos que redimi-Lo, e aí talvez entre o sentido do perdão no Evangelho de Jesus. Assim a humanidade redimirá também seu Deus, que na linha bíblica é Jeová (IHVH).



   A ignorância não será, pois para o ser humano pneumático, não haverá ovelhas pastando com lobos, nem com peixes ou aves… Ela será ética em um primeiro momento, o uso da razão espiritual, a tomada de caminho daqueles que receberam a gnose, ao resto, a animalidade.

   Agamben retorna à expressão dos justos no final dos tempos representados com cabeças de animais na miniatura Ambrosiana, como a visão da ação da “grande ignorância” onde finalmente, conforme a visão gnóstica e até Teosófica, esses justos, ou o espírito, ascendem aos céus e se transformam em estrelas e se identificam com os poderes que governam os mundos, ou seja, os elementos do zodíaco. Dali darão outro passo um dia rumo ao Verdadeiro Deus de Silêncio & Profundidade, ao Não-ser.


   Seria pelas reminiscências a respeito de Abraxas, uma entidade teriomórfica, que os Santos de pós-apocalipse também tem corpo humano com cabeça de animais? O mesmo poderia ser dito de Baphomet?


   Se a felicidade anda junto com a ignorância, e a ignorância é a dimensão do perdão, então é realmente verdade que os mansos herdarão a Terra, essa passividade toda, porém virá só depois que o espírito retornar à Deus e o mundo inteiro não tiver mais o mesmo sentido que tem agora, aliás, quando ele não tiver mais sentido algum, pois terá cumprido sua finalidade, realizado seu destino, que é o retorno da Centelha Divina àquela fonte que lhe incendiou.

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